quinta-feira, 22 de novembro de 2007

A velha, Deus e o ferro de passar roupa.

Conto - Athos Aguiar

A velha, Deus e o ferro de passar roupa.

Ninguém sabe dizer ao certo quando foi que aconteceu, mas conta a história que foi num acidente de carro que Dona Francisca perdeu o marido e o filho. A casa grande, com muitos quartos à espera de outros rebentos ficou vazia com sua única hóspede, que sempre a mantinha fechada, como que para mantê-la intacta. Não demorou muito para que a casa estivesse cheia de gatos, e a velha Chica andava sempre com algum no colo. Passeava pela vizinhança e ficava horas parada em frente às casas, como que a imaginar o que se passava lá dentro. Com seus cabelos desarrumados e suas roupas antigas e surradas, não falava - quando não cochichava com seus gatos, esbravejava coisas que ninguém entendia, e eu sempre saía correndo assustada quando ela o fazia.
Certo dia, por causa de uma denúncia, levaram todos os bichanos da velha Chica. Ela gritava, e dessa vez eu tinha certeza que não era nada bom, mas os homens continuava a retirar um por um da casa. Minha mãe balançava a cabeça olhando para a velha e em tom de explicação me dizia:
- Deus sabe o que faz, minha filha.
Às vezes eu preferia não entender as frases feitas da minha mãe.
Passei algum tempo sem ver a velha Chica, cheguei a ficar preocupada com ela trancada tanto tempo dentro daquela casa. Mas não demorou muito para ela voltar a dar seus passeios por aí, o estranho era que agora ela andava com um ferro de passar roupa amarrado, como se fosse um cachorro. De vez em quando pegava-o no colo e dizia coisas. O ferro era seu grande companheiro, nunca reclamava de nada, nem mesmo quando ele trancava em alguma pedra no chão e ela puxava com força desferindo seus peculiares xingamentos.
Alguns meninos costumavam andar atrás da velha, incomodando-a, imitavam seus gritos e a empurravam. Até que um dia pegaram o ferro de passar roupa e saíram correndo com ele. Ela não foi atrás e nem gritou mais, ficou parada, estática, olhando para os meninos que sumiam ao longe. E ali ficou. As horas passaram, e a velha Chica, com as mãos no rosto, caminhou lentamente de volta para casa. Ela nunca mais foi a mesma, não passeava, não xingava e não tinha ninguém nem nada para confidenciar seus pensamentos.
Um dia, voltei da aula mais cedo, e qual não foi minha surpresa quando vi minha mãe em frente a casa de velha Chica. Foi até a porta, abaixou-se e largou alguma coisa. Quando se afastou, pude ver que era um ferro de passar roupa novinho. Ela saiu andando rapidamente, tentei me esconder, mas não tive tempo. Surpresa com minha presença, minha mãe apenas disse:
- Deus escreve certo por linhas tortas, minha filha.
Pegou minha mão, e fomos para casa.

Um comentário:

epifabiconia disse...

Muito bem construído esse c onto,até parece verídico.
Ele é de verdade athos?
muitoooo simpático.amei =)